quinta-feira, 29 de maio de 2014

São Paulo, 6 de Germinal do ano 225 da Era pós revolucionária.

São Paulo, 6 de Germinal do ano 225 da Era pós revolucionária.

Meu Amor.
Há tempos penso em te escrever, mas o espaço/tempo parece estacionado no mesmo lugar.
Ainda há fome e guerras pelo mundo e o medo ainda habita o olhar das pessoas.
Não é passado, presente ou futuro e ainda há muito pelo que lutar.
Mas não é correto dizer que nada mudou. 
A chama da Revolução ainda arde em nossos peitos e a flâmula da Paixão nos inspira a seguir lutando, acreditando, cada dia mais.
Quando tudo parece improvável, quando tudo parece impossível, esta fé inabalável na humanidade vem nos salvar.
E quando o meu olhar pousa sobre o teu e mira o ardor da tua fé, da tua vontade, da tua convicção é a minha fé, a minha vontade, a minha convicção que se reavivam.
Por um breve instante pensei em desistir.
Houve um ínfimo e breve instante em que pensei que tínhamos perdido,
que haviam nos derrotado, que o amor seria, para sempre, proibido.
E que o Sol nunca mais refletiria teu sorriso.
Mas um instante é nada diante da Eternidade.
E a História começa no exato momento em que o meu olhar pousa sobre o brilho vivo da chama Sagrada do teu olhar.
Desde então nada mais é impossível e eu luto incansavelmente para plantar sorrisos nos rostos das crianças.
E eu sonho, grito e canto por um mundo onde todas as formas de amor sejam cultuadas.
Onde a ternura habite o coração de cada ser e ninguém nunca mais precise chorar.
Mas, se por acaso, ainda assim, alguém queria chorar, que possa fazê-lo desmedidamente, sem medo, sem censura, sem pudor.
Pois em cada esquina, em cada praça, em cada lugar onde houver alguém haverá sempre um ombro sobre o qual se apoiar.
Pois haverá um dia em que a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade caminharão de mãos dadas com todas as pessoas entoando cânticos de exaltação a tudo aquilo que é livre, tudo aquilo que é puro, tudo aquilo que é belo dentro de cada ser.
E neste dia eu estarei tão junto a ti como se cada partícula do teu corpo habitasse o meu ser, como se todas as flores, todas as árvores, todas as crianças e adultos do planeta fossem uma coisa só.
E o Céu sobre nossas cabeças também fizesse parte de nós.
E a Mãe- Terra sob nossos pés fosse, ela mesma, os nossos pés.
E as Estrelas, A Lua, os Cometas, fossem todos nossos irmãos. 
Filhos da mesma massa, matéria-energia, que dá vida à todas as coisas deste Universo.
E o Sol, neste dia, brilhará como nunca brilhou estrela alguma em Universo algum só para refletir o detalhe único que há em cada sorriso de cada um de nós, que somos todos iguais e todos tão diferentes.
Mas destes sorrisos eu quero olhar apenas um...
Vou deitar sobre a relva e descansar sobre a sombra, à Luz de uma Nova Era.
Saciada.
Missão cumprida.
Um novo ser numa nova sociedade.
E se um dia alguém me perguntar porque eu vou responder que foi por Amor.

(Audrei Teixeira)

segunda-feira, 10 de março de 2014

Alienação econômica e espiritual


            Existe na filosofia política um conceito, muito utilizado pelos marxistas, que é a alienação. A palavra alienar significa separar, transferir. Em economia chamamos alienação o processo em que o trabalhador é separado do conjunto de toda a  produção e tem a sua função limitada a um pequeno aspecto desta. Por exemplo, um artesão que antes produzia sapatos, agora é um operário especializado em produzir uma parte do solado. A alienação também se refere ao fato de o trabalhador ser separado do fruto de sua produção, ou seja, ele não é proprietário do objeto que produziu e também não é ele quem lucrará com esta produção.

Também existem outras formas específicas nas quais a alienação se manifesta, além da alienação propriamente dita, ainda existem os conceitos de fetichismo da mercadoria e de reificação.

A palavra fetichismo vem de fetiche (feitiço), isto significa que no atual sistema econômico a mercadoria tem um status de divindade, prestam-se honrarias à mercadoria e o valor do ser humano é medido pelos bens materiais que ele possui.

Já a reificação é o processo de “coisificação” do ser humano. Neste modelo econômico o ser humano é tratado como uma máquina, como mais uma peça na linha de produção e é privado do seu direito de sentir e manifestar sentimentos.

Sendo assim, vivemos numa sociedade em que o ser humano é tratado como um objeto e o objeto é tratado como uma divindade e, o mais grave, o ser humano está separado de si mesmo, isto é, está alienado no sentido mais profundo da palavra.

A alienação se manifesta nas mais variadas esferas da vida humana, nos relacionamentos pessoais, na família, nas relações sociais e de trabalho e não apenas na produção econômica.

Mas sem dúvidas, existe um aspecto no qual a alienação ocorre de maneira mais radical nesta sociedade urbana e superindustrializada, é a alienação entre o ser humano e aquilo que ele tem de mais divino dentro de si, a alienação espiritual.

Este tipo de alienação se manifesta de diversas formas e é possível dizer, sem exageros, que ele também está atrelado à alienação econômica.

O primeiro aspecto no qual o ser humano se aliena em relação ao espiritual é quando ele é retirado de seu habitat, a natureza, e passa a viver no meio urbano, se vendo assim como um ser isolado do resto da natureza. O ser humano não se percebe mais como parte da natureza e acredita que esta tem um valor funcional, acredita que é legítimo extrair dela tudo o que puder, e com o avanço da industrialização esta extração se torna cada vez mais intensa atingindo limites sem precedentes a ponto de tornar os recursos naturais cada vez mais escassos e deixar o planeta a beira do colapso.

Tudo isso para que as pessoas possam satisfazer seu consumismo, seus impulsos fetichistas.

E é aí que se dá uma inversão muito irônica: O ser humano mata seus deuses (pois a natureza é o meio pelo qual a Divindade se manifesta no nosso planeta) para construir objetos que depois ele vai cultuar. Aí ele já foi alienado diversas vezes, uma por não se perceber como parte da natureza e também por ser retirado do seio dela, outra por não perceber que a natureza é o Sagrado e que ela já nos dá tudo o que precisamos e outra por tratar o sagrado como algo funcional e por tratar objetos funcionais como coisas sagradas.

Outro aspecto da alienação espiritual está bastante ligado à reificação. Quando perguntamos para um ser humano o que ele é, ele responde normalmente algo ligado à profissão que executa, ao seu papel no sistema econômico, ao seu status social, enfim, essas coisas mesquinhas.  Ele nunca responde que é um ser divino, uma manifestação da Divindade, uma parte de um Todo que é Divino, porque o ser humano já não se enxerga assim. O indivíduo é avaliado pelos demais e se autoavalia pela função econômica que exerce e, na maior parte dos casos, já se esqueceu, se é que um dia soube, que existe uma centelha divina dentro de si, que há uma centelha divina dentro de cada ser. É isso que legitima aos olhos da sociedade as atrocidades que uns seres humanos cometem uns com os outros, as pessoas não respeitam nem a divindade que há em si, nem a divindade que há no outro, vendo-se, assim, como concorrentes, como competidores disputando status e a posse de coisas que são sagradas e que, portanto, não pertencem a ninguém exclusivamente, como a terra, por exemplo, e os frutos que ela nos dá.

 Aliás, essa própria divisão entre o eu e o outro deve ser questionada já que do ponto de vista político o ser humano é um ser social e do ponto de vista espiritual nós somos partes de um Todo maior e sagrado.

No entanto, há outro aspecto no qual a alienação espiritual se manifesta, porém este quase nem é percebido, pois já está extremamente introjetado na sociedade: É a ditadura da ciência, da razão e do materialismo sobre os aspectos sentimentais e espirituais.

É evidente que a contribuição da ciência é algo inquestionável e que a razão é um aspecto muito importante na vida humana, não é isto que está sendo questionado, a questão que se coloca é o que acontece quando a ciência serve apenas a propósitos materialistas e quando a razão é fria, desprovida de sentimentos. A história já mostrou o que surge desta mistura de razão, ciência e materialismo, quando estes três aspectos se sobrepõem aos demais. Isto leva à bomba atômica, às grandes guerras mundiais, ao genocídio e a tudo que sirva aos propósitos de acumulação econômica em detrimento da vida humana.

Parece absurdo. E é absurdo mesmo pensar que na história recente da humanidade se matavam pessoas portadoras de necessidades especiais porque estas não podiam produzir e ainda geravam despesas. Há quem argumente que isso só ocorria em regimes fascistas, pelo menos oficialmente, mas o que é o fascismo senão esta ditadura da ciência, da razão e do materialismo levada às últimas consequências, senão o positivismo levado às últimas consequências.

Mas nós vivemos sob o peso do positivismo ainda, quem tiver dúvidas quanto a isto é só visitar uma escola e ver com esta sociedade educa as crianças de uma maneira fragmentada e materialista. Digo, é claro que o Estado e a educação devem ser laicos, mas daí para afirmar para os estudantes que uma determinada teoria é a verdade absoluta, como se não houvesse outros pontos de vista, como se não houvesse outras verdades possíveis, isto é a ditadura da ciência e da razão.

Pode parecer irônico utilizar conceitos de economia política para falar de espiritualidade, mas isso não é por acaso. Isto se dá fundamentalmente porque a economia e a ecologia estão ambas ligadas àquilo que aqui consideramos a manifestação do Sagrado: a natureza.

A raiz etimológica destas duas palavras é a mesma: Ekos, que vem do grego e significa casa, ou seja, o planeta, a própria natureza.

Enquanto a ecologia é o estudo do ekos, da natureza, a economia é o estudo da racionalização dos recursos do ekos, da natureza, ou seja, é a forma que as sociedades encontram de utilizar o potencial da natureza de uma maneira equilibrada, de modo que as pessoas consigam garantir a sua sobrevivência e garantir, ao mesmo tempo, a preservação destes recursos.

Sendo assim, a alienação do indivíduo em relação ao seu aspecto espiritual serve a propósitos econômicos, serve à sua exploração econômica.

E surge a partir do momento em que as sociedades se dissociam, se alienam do caráter sagrado da natureza e passam à vê-la apenas como algo funcional, que deve servir aos propósitos egoístas do seres humanos, que, como dissemos, já não se percebem mais como seres naturais.

A solução para a sociedade, então, seria a superação desta contradição, entre natureza/humanidade/espiritualidade versus economia, já que a própria etimologia nos mostra o quanto essa contradição é falsa.

Em síntese, a solução passaria por vários aspectos. O primeiro é que na esfera individual as pessoas retomassem essa consciência do sagrado que há em si e em cada ser humano. Que na esfera social as pessoas se organizassem a partir de laços de solidariedade e fraternidade, liberdade e companheirismo, ou seja, que a organização política da sociedade se construísse a partir de certos valores universais dos quais tanto se fala e pouco se pratica hoje em dia. E que na esfera econômica a sociedade encontrasse uma forma de produção que respeitasse os limites da natureza, mas não apenas a sustentabilidade marqueteira, mas um modo de produção que não sobrepusesse o tecnicismo e a produção desenfreada de mercadorias aos valores humanos e naturais.

Para isso seria necessário que antes, nós, seres humanos, superássemos nossos ímpetos consumistas e fetichistas e nos voltássemos para aquilo que de fato importa: a valorização do sagrado. Do sagrado que há em cada um de nós e que nos circunda, a nossa Mãe-Natureza que nos dá tudo aquilo de que necessitamos e que há milênios a humanidade vem espoliando em nome de regimes econômicos que se baseiam na falsa ideia de que o ser humano é algo separado da natureza e que esta deve servir aos seus propósitos, regimes que perpetram e perpetuam a alienação espiritual, pois se valem dela para lucrar com os falsos deuses que se vendem nas lojas e concessionárias.

 

 



                                                                                        Audrei Teixeira

                                                                                         Abril de 2013

                                                                                                                          

 

 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Pathos




No colo virgem da Mãe Deusa
explode o jorro sacro da criação
Deste louco amor
que explode
e expande átomos
somos feitos
Filhos da Divina Luxúria
Ato de emancipação
em que o ímpeto criativo
da Divindade
a Vontade Primordial
foi consumada
Frutos do Divino Orgasmo
que se expande pelo
espaço/tempo afora
Paixão que transcende dimensões
capaz de explodir estrelas
e dar vida à Universos
Me espanta
que à alguns surpreenda
o fato de sermos
tão passionais.


                                                                                    (Audrei Teixeira)

domingo, 8 de dezembro de 2013

A Estrela e a Lua

Nada é mais belo que o fulgor ardente 
de uma estrela apaixonada 
em uma noite qualquer no hemisfério sul.
Mas como é possível à uma estrela iluminada
ser ofuscada pelo próprio brilho
refletido no olhar de sua amada?
E o que é o Luar senão
o desejo de nossas almas em ardor
refletidos num ser distante e gélido
que exatamente por nunca poder
ser alcançado
será eternamente cultuado?

(Audrei Teixeira)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

R$ 0,20 -O Estopim de uma nova Era- parte 2

O levante popular e espontâneo que está ocorrendo em muitas cidades do país já conquistou em várias delas a sua reivindicação inicial, a redução da tarifa do transporte público. No entanto, o povo continua na rua, afinal, motivos não faltam para protestar neste país. O Fora Feliciano, a PEC 37, o novo código florestal, os gastos excessivos com a copa do mundo, a corrupção, a falta de investimento em saúde e educação, a inflação... enfim, anos e anos de imobilismo e passividade que resultaram numa série de problemas econômicos, políticos e sociais que recentemente transbordaram com a questão da tarifa dos transportes.
Contudo, o movimento começa a ganhar um caráter assustador. A direita e a ultra direita estão tentando se apossar da mobilização popular. Na manifestação de quinta -feira, dia 20/06, os partidos de esquerda foram impedidos de erguerem suas bandeiras. Por todos os lados viam-se pessoas com bandeiras do Brasil e do Estado de São Paulo, cantando o hino nacional. Falou-se muito em revolução. Ótimo! Quem nunca sonhou com este dia em que a revolução estaria em pauta? Mas de qual revolução se fala? Isso é que é assustador, pois a direita está tentando tomar a frente das mobilizações com o intuito de dar um golpe. E essa história nós já vimos antes no nosso país quando a esquerda estava se organizando em torno do governo Jango por reformas de base, aí veio a direita e... Todo mundo já sabe o fim dessa história.
É fundamental que a mobilização popular continue e ela vai continuar, pois como se trata de um movimento espontâneo ninguém vai conseguir segurar. Mas para que ela tenha efeito é necessário que a esquerda se una em torno de uma bandeira comum e tome a frente do processo, pois se a esquerda não fizer isso a direita vai fazer.
É necessário ter claro que o inimigo é um só: o capitalismo, este sistema nefasto e explorador. Não vamos permitir que os capitalistas se apropriem da mobilização popular para tornar algo ruim ainda pior.
Portanto, clamamos pela união do povo e da esquerda em torno de uma bandeira transitória,de reformas básicas, rumo ao socialismo.




R$ 0,20: O estopim de uma Nova Era

Em 1968 um grupo de estudantes da Universidade de Nanterre, na França, decidiu se rebelar contra as medidas autoritárias tomada pela reitoria da Universidade. O reitor proibiu que os homens entrassem no dormitório das mulheres, da moradia estudantil. Em pouco tempo o protesto contra um regime educacional opressor se espalhou pelas demais universidades, como a Sorbonne, e foi incorporando cada vez mais reivindicações à sua pauta, em dois meses já não eram mais apenas os estudantes que protestavam e sim, operários, trabalhadores de todas as idades que exigiam nada menos que: “Tudo já”.
Em pouquíssimo tempo a manifestação dos estudantes se transformou numa greve geral que se espalhou por toda a França e depois para vários outros países, como a Bélgica, Itália, Alemanha, Estados Unidos, Brasil, entre outros.
O Maio de 68 se transformou no marco de uma nova Era, causando uma enorme revolução nos costumes, influenciando novas ideias e pensamentos nas ciências sociais e políticas, colocando a liberdade como a pauta primordial do dia e deixando claro que seja qual for a reivindicação, por menor que ela pareça (só pareça, pois nada é secundário quando se trata de justiça social) a raiz é sempre uma só: Este sistema opressor e explorador chamado capitalismo.
Recentemente no Brasil vivenciamos um movimento que se assemelha em muitas coisas ao Maio de 68. Manifestações espontâneas de grupos de jovens que reivindicavam pautas específicas, como as manifestações contra o aumento da passagem dos ônibus e do metrô em São Paulo, e serviram de estopim, canalizando a revolta de toda uma geração contra a pseudo-democracia em que vivemos, onde os direitos fundamentais não são respeitados.
Logo, bandeiras como os gastos excessivos com a copa do mundo, dinheiro que deveria ser investido em saúde, educação, transporte público, entre outras coisas, além de bandeiras como o “Fora Feliciano”, “abaixo a PEC 37”, entre inúmeras outras, foram agregadas ao movimento.
Em diversas capitais do país, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Vitória, Salvador, Curitiba, entre outras, estão correndo manifestações contra o aumento das tarifas dos transportes, os gastos excessivos coma copa, a corrupção, etc.
Em diversas capitais da Europa, como Londres, Paris, etc, os brasileiros que lá residem também foram às ruas em apoio às manifestações que aqui ocorrem.
Este é sem dúvida o auge da mobilização desde o fim da década de 80, momento em que o movimento operário e pela redemocratização do país estava em ascenso.
“Não é só pelos 20 centavos!”- dizem os manifestantes de São Paulo. Embora a reivindicação contra o aumento da tarifa seja muito justa ela acabou sendo o estopim de uma revolta muito maior que estava entalada na garganta do povo brasileiro nas últimas décadas.
O povo finalmente acordou. Agora é fundamental a compreensão de que todas estas bandeiras que reivindicamos têm uma única raiz, é fundamental perceber que o inimigo é um só: O capitalismo. E enquanto este não for destruído e substituído por um sistema social mais justo, livre e fraterno, nossa luta não findará.



Audrei Teixeira.





segunda-feira, 22 de abril de 2013

Resenha: Teses sobre o conceito de História de Walter Benjamim

Walter Benjamim nos propõe um método historiográfico baseado num materialismo histórico não ortodoxo, ou seja, que não deixe de levar em consideração as questões subjetivas da humanidade, suas questões “espirituais”. Ele propõe uma fusão do materialismo com a teologia, ou seja, uma visão da história que não leve em conta apenas a “luta pelas coisas brutas e materiais”[1], as necessidades materiais não excluem as necessidades espirituais (morais, subjetivas), uma vez que matéria e espírito (entendido aqui como a alma, a subjetividade do ser) são indissociáveis.
A luta de classes é o eixo a partir do qual Benjamim analisa a história, para ele “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”
[2], a história é vista do ponto de vista dos vencidos e somente redimida da sua exploração e opressão a humanidade poderá apropriar-se totalmente de seu passado.
Na própria luta de classes está inserida uma série de valores que não são apenas materiais, como a confiança, a coragem, o humor, a astúcia e a firmeza.
O passado não pode ser apreendido tal como ele foi, ele é apreendido do ponto de vista do presente, “o passado só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente (...)”
[3], a história é uma releitura do passado a partir do presente. Benjamim aponta esta como mais uma diferença entre o materialismo histórico e o historicismo que enxerga o passado como uma sucessão de acontecimentos, um decorrente do outro.
Conhecer o passado é “apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”
[4], o perigo, no caso, é entregar-se as classes dominantes como seu instrumento, quando o inimigo vence este se apropria do passado, se apropria da história como uma forma de dominação. E Benjamim deixa claro que o inimigo não tem cessado de vencer, nada mais verdadeiro para quem assistiu a ascensão do nazi-fascismo.
A função do passado é também a de tirar as pessoas do conformismo.
O materialismo histórico rompe com a concepção de história que tenta compreender uma época sem levar em conta o que veio depois, esta concepção da história, o historicismo, se baseia na empatia com os vencedores, empatia esta que serve à dominação.
Os bens culturais são os despojos desta dominação, “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”
[5], se compreende-se a história do ponto de vista dos vencidos, pois os bens culturais não se devem apenas à habilidade de gênios mas também à exploração de milhares de anônimos.
A história é a história da barbárie e da exploração, estas não são exceção e sim a regra, é necessário “construir um conceito de história que corresponda a essa verdade”
[6], ou seja, um conceito de história do ponto de vista dos vencidos, dos excluídos, dos dominados, é necessário também criar um estado de exceção na história, este estado de exceção seria a tomada do poder pelos vencidos e o fim da exploração e da opressão, ou seja, a Revolução.
A história deve ser compreendida como uma totalidade e não como um encadeamento de acontecimentos, o anjo da história está afastado daquilo que ele encara fixamente, ele encara a história de outra perspectiva, a partir do presente.
Benjamim critica a visão progressista da História, e compreende que a história até então tem sido construída a partir dessa concepção, o progresso, contudo, não fez mais do que ruínas e se permanecer levará a humanidade à destruição.
Ele critica também os “adversários do fascismo” aos quais chama de traidores, estes adversários do fascismo são os stalinistas e seus partidos comunistas, bem como o Estado Soviético. Em 1940 já estava claro o caráter totalitário do regime soviético, e às diversas traições dos partidos comunistas. Benjamim assistiu a mais terrível: o pacto de não agressão entre a Alemanha nazista e a URSS.
Critica também a social democracia tanto por seu conformismo quanto por sua fé no progresso, a social democracia corrompeu a classe trabalhadora com sua visão positiva do progresso técnico industrial e com a sua moral do trabalho, é na moral do trabalho e na visão progressista da sociedade, e Benjamim compreende isso muito bem, que residem os princípios da tecnocracia que levam ao fascismo.
A crítica de Benjamim ao trabalho se refere também à relação depredatória deste com a natureza, à relação utilitária da natureza pela sociedade em nome do progresso técnico e da produção de mercadorias.
“O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida”
[7], sua tarefa é a de consumar sua libertação em nome das gerações passadas ao contrário do que diz a social democracia, que lhe atribui a tarefa de salvar as gerações futuras.
A história não é um tempo vazio e homogêneo, mas um tempo saturado de “agoras”, o passado é revisitado do ponto de vista do presente, a revolução é a ruptura com o continuum da história.
Benjamim também discute a questão do tempo, ele opõe o tempo do calendário, que é o tempo da história, com seus feriados e suas rememorações ao tempo do relógio que é um tempo mecânico, o tempo da opressão, da produção capitalista.
Ao contrário do historicismo que tem uma visão de história universal, que segundo Benjamim, não tem armação teórica mas se ampara na massa dos fatos, o materialismo histórico tem um princípio construtivo, ele avalia tanto o movimento de idéias quanto a imobilidade destas, o que representa um choque, uma imobilização messiânica dos acontecimentos, uma oportunidade de ruptura, de revolução.
Por fim, o tempo de agora é uma síntese de toda a história da humanidade, em que a memória dos oprimidos deve ser resgatada pelo presente.

*

Walter Benjamim traz de volta à vida o materialismo histórico quando o complementa com uma visão messiânica. Sem a teologia o materialismo não é mais que um autômato, um modelo determinista de explicação da história, que não rompe com a visão evolucionista de progresso.
O materialismo por si só (sem com isso querer negar os seus méritos e suas contribuições) subjuga o indivíduo e a humanidade a determinações econômicas, sem levar em conta que a própria economia também é uma construção cultural, já que a economia é a natureza transformada por uma comunidade de acordo com seus ritos, e seus costumes, além de suas necessidades.
Complementando o marxismo com uma visão teológica, Benjamim traz de volta o Humanismo ao marxismo, pode parecer contraditório afirmar que a partir da teologia se trata das questões humanas, mas é exatamente isso o que ocorre com esta obra de Benjamim, que propõe uma visão da história a partir das pessoas, e de um grupo determinado de pessoas, os vencidos.
Embora, esta visão determinista e progressista da história seja fruto mais dos políticos traidores que Benjamim critica, stalinistas e social-democratas, que do próprio Marx, Benjamim vai além de Marx, complementando o materialismo com o messianismo que lhe faltava.
Benjamim é inovador ao propor uma história do ponto de vista dos vencidos, isto é mais do que simplesmente lançar um olhar sobre os que ficaram excluídos dos textos da história oficial, na realidade o que ele propõe é que é uma “história vista de baixo” de fato, é trazer à luz o ponto de vista daqueles que fizeram a história com seu trabalho (escravo, servil, industrial) e seu sofrimento, e trazer à tona uma tarefa para o presente, a libertação desses vencidos da história, em nome de todos os vencidos que não tiveram seus nomes gravados em documentos e nem tiveram estátuas erguidas em seu nome.
Décadas antes de os teóricos começarem a compreender (um processo que começou mais ou menos em 1968, mas que só se consolidou após 1989) o perigo de uma visão progressista e evolucionista, Benjamim já tinha claro que o progresso, e a barbárie que é fruto deste, eram a regra na história, ele viveu para ver por qual caminho o progresso industrial e o tecnicismo levariam a humanidade: ao nazi-fascismo.
Quanto a sua visão de que o progresso levaria a humanidade à ruína, a história nos deu inúmeros exemplos do quanto ele estava (e está) correto.
Ele compreendeu muito antes de muitos os impactos deste progresso e da moral do trabalho sobre a natureza, por exemplo.
Além de servir à exploração de uma classe sobre a outra, a moral do trabalho serve também para justificar a exploração da natureza (assim como o fetichismo da mercadoria serve para justificar a moral do trabalho, trabalha-se para consumir), contudo, os altos índices de produção, fruto dos “avanços” técnicos da segunda revolução industrial, que permitiriam uma jornada de trabalho reduzida, não são utilizados com o fim de atenuar o fardo das classes trabalhadoras e sim de aumentar a extração de sua mais valia relativa e de aumentar a produção para níveis impossíveis de consumo, os impactos dessa “superprodução” na natureza estão cada vez mais nítidos hoje, Benjamim já apontava isso em 1940.
Outra contribuição importante de Benjamim é sua crítica tanto à traição stalinista, quanto ao conformismo social-democrata, o que demonstra que mesmo fazendo revisões no marxismo (o que não é um crime, como condenam os stalinistas) ele mantém sua radicalidade como revolucionário.
Isso é tão claro em sua obra, principalmente quando ele aponta o “salto dialético da revolução” como a única maneira possível de romper o contínuo da história, e de criar um estado de exceção, já que a regra é a barbárie e a exploração, frutos do progresso.
Benjamim escreve suas teses como quem escreve poesia, não podemos então cometer o erro de deixar de mencionar uma belíssima passagem da tese VII:
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo”.
Os monumentos da cultura são os despojos do dominador, afirma Benjamim, um monumento da cultura traz em si toda a dominação e exploração desses dominadores sobre os vencidos, uma estátua, de um “grande” imperador, vencedor, é construída com o trabalho e o sofrimento dos vencidos. Mais do que isso, a cultura dos vencedores é também uma cultura que legitima a dominação, por isso o materialista histórico, como Benjamim, não participa de sua reprodução. Sua tarefa é a de “escovar a história a contrapelo”, ou seja, caminhar no sentido contrário da história dos vencedores e construir uma história do ponto de vista dos vencidos. O presente tem um papel central para o historiador, é a partir dele que se compreende o passado, e é no “agora” que se deve romper com o contínuo da história. A revolução, portanto, é tarefa para agora, o futuro não existe e se o progresso técnico continuar caminhando em um ritmo tão acelerado, tem tudo para nunca existir.
Audrei Teixeira de Campos,
historiadora, escritora e professora.

[1] Tese IV.[2] Tese III.[3] Tese V.[4] Tese VI.[5] Tese VII.[6] Tese VIII.[7] Tese XII.