segunda-feira, 22 de abril de 2013

Resenha: Teses sobre o conceito de História de Walter Benjamim

Walter Benjamim nos propõe um método historiográfico baseado num materialismo histórico não ortodoxo, ou seja, que não deixe de levar em consideração as questões subjetivas da humanidade, suas questões “espirituais”. Ele propõe uma fusão do materialismo com a teologia, ou seja, uma visão da história que não leve em conta apenas a “luta pelas coisas brutas e materiais”[1], as necessidades materiais não excluem as necessidades espirituais (morais, subjetivas), uma vez que matéria e espírito (entendido aqui como a alma, a subjetividade do ser) são indissociáveis.
A luta de classes é o eixo a partir do qual Benjamim analisa a história, para ele “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”
[2], a história é vista do ponto de vista dos vencidos e somente redimida da sua exploração e opressão a humanidade poderá apropriar-se totalmente de seu passado.
Na própria luta de classes está inserida uma série de valores que não são apenas materiais, como a confiança, a coragem, o humor, a astúcia e a firmeza.
O passado não pode ser apreendido tal como ele foi, ele é apreendido do ponto de vista do presente, “o passado só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente (...)”
[3], a história é uma releitura do passado a partir do presente. Benjamim aponta esta como mais uma diferença entre o materialismo histórico e o historicismo que enxerga o passado como uma sucessão de acontecimentos, um decorrente do outro.
Conhecer o passado é “apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”
[4], o perigo, no caso, é entregar-se as classes dominantes como seu instrumento, quando o inimigo vence este se apropria do passado, se apropria da história como uma forma de dominação. E Benjamim deixa claro que o inimigo não tem cessado de vencer, nada mais verdadeiro para quem assistiu a ascensão do nazi-fascismo.
A função do passado é também a de tirar as pessoas do conformismo.
O materialismo histórico rompe com a concepção de história que tenta compreender uma época sem levar em conta o que veio depois, esta concepção da história, o historicismo, se baseia na empatia com os vencedores, empatia esta que serve à dominação.
Os bens culturais são os despojos desta dominação, “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”
[5], se compreende-se a história do ponto de vista dos vencidos, pois os bens culturais não se devem apenas à habilidade de gênios mas também à exploração de milhares de anônimos.
A história é a história da barbárie e da exploração, estas não são exceção e sim a regra, é necessário “construir um conceito de história que corresponda a essa verdade”
[6], ou seja, um conceito de história do ponto de vista dos vencidos, dos excluídos, dos dominados, é necessário também criar um estado de exceção na história, este estado de exceção seria a tomada do poder pelos vencidos e o fim da exploração e da opressão, ou seja, a Revolução.
A história deve ser compreendida como uma totalidade e não como um encadeamento de acontecimentos, o anjo da história está afastado daquilo que ele encara fixamente, ele encara a história de outra perspectiva, a partir do presente.
Benjamim critica a visão progressista da História, e compreende que a história até então tem sido construída a partir dessa concepção, o progresso, contudo, não fez mais do que ruínas e se permanecer levará a humanidade à destruição.
Ele critica também os “adversários do fascismo” aos quais chama de traidores, estes adversários do fascismo são os stalinistas e seus partidos comunistas, bem como o Estado Soviético. Em 1940 já estava claro o caráter totalitário do regime soviético, e às diversas traições dos partidos comunistas. Benjamim assistiu a mais terrível: o pacto de não agressão entre a Alemanha nazista e a URSS.
Critica também a social democracia tanto por seu conformismo quanto por sua fé no progresso, a social democracia corrompeu a classe trabalhadora com sua visão positiva do progresso técnico industrial e com a sua moral do trabalho, é na moral do trabalho e na visão progressista da sociedade, e Benjamim compreende isso muito bem, que residem os princípios da tecnocracia que levam ao fascismo.
A crítica de Benjamim ao trabalho se refere também à relação depredatória deste com a natureza, à relação utilitária da natureza pela sociedade em nome do progresso técnico e da produção de mercadorias.
“O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida”
[7], sua tarefa é a de consumar sua libertação em nome das gerações passadas ao contrário do que diz a social democracia, que lhe atribui a tarefa de salvar as gerações futuras.
A história não é um tempo vazio e homogêneo, mas um tempo saturado de “agoras”, o passado é revisitado do ponto de vista do presente, a revolução é a ruptura com o continuum da história.
Benjamim também discute a questão do tempo, ele opõe o tempo do calendário, que é o tempo da história, com seus feriados e suas rememorações ao tempo do relógio que é um tempo mecânico, o tempo da opressão, da produção capitalista.
Ao contrário do historicismo que tem uma visão de história universal, que segundo Benjamim, não tem armação teórica mas se ampara na massa dos fatos, o materialismo histórico tem um princípio construtivo, ele avalia tanto o movimento de idéias quanto a imobilidade destas, o que representa um choque, uma imobilização messiânica dos acontecimentos, uma oportunidade de ruptura, de revolução.
Por fim, o tempo de agora é uma síntese de toda a história da humanidade, em que a memória dos oprimidos deve ser resgatada pelo presente.

*

Walter Benjamim traz de volta à vida o materialismo histórico quando o complementa com uma visão messiânica. Sem a teologia o materialismo não é mais que um autômato, um modelo determinista de explicação da história, que não rompe com a visão evolucionista de progresso.
O materialismo por si só (sem com isso querer negar os seus méritos e suas contribuições) subjuga o indivíduo e a humanidade a determinações econômicas, sem levar em conta que a própria economia também é uma construção cultural, já que a economia é a natureza transformada por uma comunidade de acordo com seus ritos, e seus costumes, além de suas necessidades.
Complementando o marxismo com uma visão teológica, Benjamim traz de volta o Humanismo ao marxismo, pode parecer contraditório afirmar que a partir da teologia se trata das questões humanas, mas é exatamente isso o que ocorre com esta obra de Benjamim, que propõe uma visão da história a partir das pessoas, e de um grupo determinado de pessoas, os vencidos.
Embora, esta visão determinista e progressista da história seja fruto mais dos políticos traidores que Benjamim critica, stalinistas e social-democratas, que do próprio Marx, Benjamim vai além de Marx, complementando o materialismo com o messianismo que lhe faltava.
Benjamim é inovador ao propor uma história do ponto de vista dos vencidos, isto é mais do que simplesmente lançar um olhar sobre os que ficaram excluídos dos textos da história oficial, na realidade o que ele propõe é que é uma “história vista de baixo” de fato, é trazer à luz o ponto de vista daqueles que fizeram a história com seu trabalho (escravo, servil, industrial) e seu sofrimento, e trazer à tona uma tarefa para o presente, a libertação desses vencidos da história, em nome de todos os vencidos que não tiveram seus nomes gravados em documentos e nem tiveram estátuas erguidas em seu nome.
Décadas antes de os teóricos começarem a compreender (um processo que começou mais ou menos em 1968, mas que só se consolidou após 1989) o perigo de uma visão progressista e evolucionista, Benjamim já tinha claro que o progresso, e a barbárie que é fruto deste, eram a regra na história, ele viveu para ver por qual caminho o progresso industrial e o tecnicismo levariam a humanidade: ao nazi-fascismo.
Quanto a sua visão de que o progresso levaria a humanidade à ruína, a história nos deu inúmeros exemplos do quanto ele estava (e está) correto.
Ele compreendeu muito antes de muitos os impactos deste progresso e da moral do trabalho sobre a natureza, por exemplo.
Além de servir à exploração de uma classe sobre a outra, a moral do trabalho serve também para justificar a exploração da natureza (assim como o fetichismo da mercadoria serve para justificar a moral do trabalho, trabalha-se para consumir), contudo, os altos índices de produção, fruto dos “avanços” técnicos da segunda revolução industrial, que permitiriam uma jornada de trabalho reduzida, não são utilizados com o fim de atenuar o fardo das classes trabalhadoras e sim de aumentar a extração de sua mais valia relativa e de aumentar a produção para níveis impossíveis de consumo, os impactos dessa “superprodução” na natureza estão cada vez mais nítidos hoje, Benjamim já apontava isso em 1940.
Outra contribuição importante de Benjamim é sua crítica tanto à traição stalinista, quanto ao conformismo social-democrata, o que demonstra que mesmo fazendo revisões no marxismo (o que não é um crime, como condenam os stalinistas) ele mantém sua radicalidade como revolucionário.
Isso é tão claro em sua obra, principalmente quando ele aponta o “salto dialético da revolução” como a única maneira possível de romper o contínuo da história, e de criar um estado de exceção, já que a regra é a barbárie e a exploração, frutos do progresso.
Benjamim escreve suas teses como quem escreve poesia, não podemos então cometer o erro de deixar de mencionar uma belíssima passagem da tese VII:
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo”.
Os monumentos da cultura são os despojos do dominador, afirma Benjamim, um monumento da cultura traz em si toda a dominação e exploração desses dominadores sobre os vencidos, uma estátua, de um “grande” imperador, vencedor, é construída com o trabalho e o sofrimento dos vencidos. Mais do que isso, a cultura dos vencedores é também uma cultura que legitima a dominação, por isso o materialista histórico, como Benjamim, não participa de sua reprodução. Sua tarefa é a de “escovar a história a contrapelo”, ou seja, caminhar no sentido contrário da história dos vencedores e construir uma história do ponto de vista dos vencidos. O presente tem um papel central para o historiador, é a partir dele que se compreende o passado, e é no “agora” que se deve romper com o contínuo da história. A revolução, portanto, é tarefa para agora, o futuro não existe e se o progresso técnico continuar caminhando em um ritmo tão acelerado, tem tudo para nunca existir.
Audrei Teixeira de Campos,
historiadora, escritora e professora.

[1] Tese IV.[2] Tese III.[3] Tese V.[4] Tese VI.[5] Tese VII.[6] Tese VIII.[7] Tese XII.


















domingo, 14 de abril de 2013

haikai nº 10

Seus olhos de mel
De brilho efusivo
Ofuscam o céu.

haikai nº7

                                                                                                   

Dia de tédio.
Uma noite de paixão
É meu remédio.

...suspenso...

Um céu escuro, a noite estrelada
Enfeitam meu verso sombrio
Corre alta a madrugada
E dentro d’alma faz frio.

Tudo é azul no universo, imenso.
Não é inverno, nem faz verão.
O espaço está suspenso
E o tempo é uma ilusão.

Penso nela e ela não está aqui
E para além do aqui nada importa.
Não há o lá, o além, o ali.
A noite é finda e a manhã nasce morta.

Penso nela e a desejo agora
E nada além do agora existe
A manhã parte, o dia vai embora
E a noite chega, de novo, mais triste.

São longos dias de dor e de pena
Não cabe neles meu pranto contido
Também não cabe em meu pobre poema
Tanta tristeza e amor reprimido.

São longas noites de reza e de choro
à todos os deuses e aos bons serafins.
Até os santos anjos em coro
Rogam que um dia ela volte pra mim.




                                                                                          Audrei Teixeira
                                                                                            17/05/2012

domingo, 7 de abril de 2013

SENSCIÊNCIA

SENSCIÊNCIA
SEM CIÊNCIA






                                                                         Audrei Teixeira

Eu vou te tomar de assalto!

Eu vou te tomar de assalto!
Como o proletariado em Paris.
Derrubar teus muros
como os jovens de Berlim
Saquear teu corpo
Sitiar a tua alma
E te cobrir de flores
Como numa primavera em Praga.
Vou erguer barricadas
e trazer à tona todo o Amor
reprimido pelo asfalto.
Vou cantar hinos
Palavras de ordem
Proclamando meu domínio sobre ti.
Vou me perder em teus braços
Para me reencontrar
um novo ser
numa nova sociedade
A Utopia
A Ilha de Lesbos
O Eldorado
Vou fazer do meu poema um grito
pelos oprimidos
Fazer do meu poema um pranto
pelos vencidos
Fazer do meu poema um canto
de louvor e adoração
ao teu Ser
Fazer deste poema um manifesto
à favor do nosso Amor.






                                                                                           Audrei Teixeira

Permanência

Por mais que o instante seja efêmero
algo que é eterno permanece em algum lugar
porque tudo o que há no Universo é pleno
e cada momento carrega em si
a centelha que permeia o Todo
o tempo todo.
Por mais que a gente viva
na ilusão do eterno agora
outros tempos, outros espaços
ocorrem simultaneamente
em universos paralelos.
Sendo assim o passado
é algo que ocorre ainda
em algum outro lugar.
E o futuro pelo qual ansiamos tanto
com a inocência da novidade
é algo que já vivenciamos
também em outros espaços.
Aliás, quem é que pode definir
quando é que termina um tempo
e começa outro?
Ou se as coisas com as quais sonhamos
que só vivenciamos na imaginação
são, de algum modo, menos reais?
Será que nós não as vivemos
em algum mundo paralelo
e ao dormir
sonhamos com este aqui?
Ou será que ambos os mundos
se complementam
e que é a nossa mente limitada
que enxerga tudo fragmentado
criando a ilusão do passado,
presente e futuro
do real e irreal?
Mas é certo que as coisas mudam.
Não é?
Mas existe um fio muito tênue
que liga todas as coisas
e todas as realidades
onde quer que elas ocorram.
Afora todas as mudanças
que transcorrem
ao longo do espaço/tempo
pelo Universo afora,
apesar da brevidade do instante
e da eterna impermanência de todas as coisas
existe algo em nossa alma imortal
que é imutável
que está sempre lá.
Essa Essência está presente
em todos os momentos
e todos os momentos
estão presentes Nela.
E é por isso que eu
te carrego dentro do peito
hoje e desde sempre,
hoje e para sempre.
Mesmo você estando tão longe,
um lugar qualquer
em um instante qualquer,
você estará sempre aqui
no eterno agora
dentro de mim.








                                                              Audrei Teixeira
                                                                (em um dia qualquer no espaço/tempo...)

Haicai nº1

Menina louca!
 O teu prazer pulsava
Na minha boca.






                                                                                           Audrei Teixeira








Evanescência

Eu sei que as coisas são efêmeras.
Mas será que precisam ser assim tão fugazes?
Ou será que o espaço/tempo está se movendo
cada vez mais rápido?
De modo que as coisas que antes nós julgávamos eternas
agora nós percebemos que não tem
mais importância alguma?






                                                                                                                       Audrei Teixeira

Deixa eu navegar nos teus braços

Deixa eu navegar nos teus braços
Flutuar no teu querer
Mergulhar nos teus passos
Me afogar no teu ser

Deixa eu transpirar nos teus sentidos
em teu corpo convexo
Suspirar nos teus gemidos
e gozar no teu sexo

Deixa eu passear na tua pele quente
Em teu âmago clandestino
Viajar no teu olhar ardente
E me perder no teu destino

Deixa eu sugar a tua língua
E sorver a tua boca
Pra eu não morrer à míngua
Dessa fantasia louca

Deixa eu viver nas tuas pernas
Reviver no teu espasmo
Ironia pós-moderna
Transcender no teu orgasmo.




                                                                                        Audrei Teixeira