sábado, 30 de março de 2013

Eu não quero uma vida Fast food!

Eu não quero uma vida fast food.
Não vou fazer amor com seu dinheiro.
A minha alma não está a venda no mercado.
meus medos não flutuam com o câmbio.


Não quero uma vida financiável.
Viver aos poucos em suaves prestações.
Fingindo orgasmos
Fingindo que sou o que não sou.

Não vou viver dando risadas falsas
Nem ocultando o choro
Reprimindo o grito
A minha fúria não é negociável.

Não vou vender meu tempo baratinho
Mais uma peça na linha de produção
Não vou deixar que me tratem como máquina
e atirem ao lixo o que ainda me resta de humano.

Meus momentos de prazer e de orgia
Minhas horas de choro e de alegria
Isto eu não vendo, não troco, não financio.
Eu só dôo, empresto, e compartilho.

Porque os juros do que não se fez
São exorbitantes
E um sonho não consumado
É impagável.

Não se quita uma dívida com a vida.
Credora implacável
ela não aceita nenhum pagamento
além de si mesma.

                                                                                                                     (Audrei Teixeira)

Se você soubesse o quanto eu te amo...

Ah! Se todas as pessoas soubessem
que o que elas tem de melhor
é essa capacidade de se perder
de se entregar totalmente
sem sair do lugar.
Ah! Se o mundo todo soubesse
Que o que há de melhor em mim
é essa necessidade de não existir
para além de ti.
Ah! Se você soubesse
que o que há de melhor em ti
é essa capacidade
de converter um gesto
num sorriso.
Se todas as pessoas soubessem
todas, você, todo mundo
soubesse intensamente,
como eu sei agora
que não é preciso saber nada.
Não. Nem é possível saber coisa alguma
e que isso pouco importa, aliás.
Porque toda a racionalidade foge ao seu lado.
e a razão se deita sob os seus pés
quando você passa
para ser esmagada
pelo seu fulgor.
E que eu,
se pudesse escolher
entre ser racional,
sábia, pretensa filósofa
e compreender
as finalidades mesquinhas dessa existência vil
jogava tudo isso na lata do lixo
e determinava
que o amor existe
apenas para ser amado
que o amor jamais pode ser questionado
e principalmente
que uma força como essa
que não pode ser compreendida
que não pode ser questionada
que não pode ser racionalizada
não poderia, jamais,
ser negada.



                                                                                                                  Audrei Teixeira
                                                                                                                     10/12/2011

A transcendência mora no seu olhar...

Eu não existo para além de ti.
Isto é algo que já tenho claro.
Mas não pense que é porque quando você passa
o seu cheira sublima todos os aromas ao redor
e a rosa
(Pobre rosa!)
Num instante deixa de ser rosa
e tem roubado o que existe de mais seu
essencialmente.
Não. Não é porque quando você passa
o céu deixa de ser céu
pois a transcendência
deixa de morar no horizonte
e passa a habitar o teu olhar.
Nem é porque o sol
perde todo o seu brilho
e vai se esconder, tímido,
no poente
para não ser ofuscado pelo brilho que
emana do teu sorriso.
Nem é porque o ar
perde a fala,
o vento perde a respiração
nem porque os pássaros
decidem que voar perdeu o sentido.
Não é porque a lua
se esconde atrás das nuvens
triste
por não poder te namorar.
Não. Não penses que roubas a beleza das coisas.
As coisas é que só existem para te servir
como pano de fundo.
O universo, papel de parede, paisagem
para tudo o que existe
Você.
As coisas só existem,
não penses que é para te dar o prazer de contemplá-las.
Não. É para dar à elas o falso prazer
de serem contempladas por você.
Sendo que na realidade
São elas que te contemplam.
É o ar que te respira.
É você que exala o perfume das rosas.
E o sol apenas reflete o brilho que emana do teu ser.
E eu só tenho consciência de que existo
porque posso ver meu sorriso
refletido no teu olhar.

                                                                                                                       (Audrei Teixeira)

Releitura

Escrever! Escrever!
Escrever até que o mundo acabe!
O mundo inteiro desabando
E o poeta ali sentado.
Coitado!
Mas,
já não lhe basta cantar as próprias dores
Quer ainda cantar as dores alheias?
Já não lhe basta viver a própria angústia,
deve ainda ele incomodar-se da misteriosa condição humana?
Da nebulosa condição humana?
Da degradante condição humana?
Mas, e quando estancar o sangue do último ferido?
E quando parar de ressoar o último estampido,
da última bala perdida
no meio de uma guerra qualquer
ou ainda em tempos de paz?
(mas se trata da pax romana?
deve ser uma releitura)
E quando calar o último grito
do fundo de um porão gelado
em um país qualquer da América?
Latina. Ou não.
E quando explodirem as últimas bombas?
Não será apenas uma releitura daquela primeira explosão?
Aquela que deu origem ao universo
E que se repete todos os dias
Na cólera convulsiva
Na voz de uma diva do jazz
No grito de um manifestante contra a guerra no Iraque
ou no Afeganistão
No gozo de um casal de amantes
Sejam eles hetero ou não.
Pouco importa.
Aquela explosão que deu origem ao primeiro instante
E que, dizem, se propaga infindamente,
dando origem ao universo
o qual, segundo consta,
ainda está em expansão desde bilhões de anos
e por bilhões de anos ainda mais.
Mas, atenham-se àquele primeiro instante!
O da explosão
Não será ele o mesmo instante em que o poeta escreve agora?
Quanto tempo dura um instante?
Os físicos não saberiam explicar
Qual a duração de um momento?
Eis uma grande questão sobre a qual se debatem filósofos
sem, no entanto, chegarem à conclusão alguma.
Eis a função do poeta.
Demonstrar a simultaneidade do tempo
Fazer ouvir o grito que já se calou,
Gritar a ferida que já se curou,
Trazer lá do fundo da alma
à zona mais clara do consciente
as maiores angústias ancestrais
E mostrar que ainda se sente o medo
que nos fez chorar na noite passada.
Aliás, que sempre se sentiu
E sempre se sentirá.
Pois tudo o que foi ainda será eternamente
Com diz a lei do eterno retorno
Mas não exatamente igual
Como uma releitura
Escrita por um poeta bêbado
Sentado no boteco mais degradado
Cercado de prostitutas,
Aliás, de uma nobreza de caráter invejável.
“Não é possível escrever poesia depois de Auschwitz” – dizia o filósofo
Pois é exatamente depois de Auschiwitz que a poesia se torna possível
E necessária
Para mostrar que auschiwitz nunca acabou e nunca acabará
Para não permitir que se esqueçam os gritos
E os gemidos.
Mas e as bombas?
E quanto às bombas,
Elas não acabarão de uma vez por todas com a humanidade?
De que vale escrever poesia então?
Isso não vai fazer diminuir o preço do pão.
Nos tornará mais livres talvez.
Ou não.
É importante lembrar que um dia existiu o amor,
Sim, existiu o amor,
Mas isso já faz muito tempo,
Foi na década de 60
Antes do vírus.
Mas ainda restam fragmentos desse amor,
em pedaços de guardanapos
e em grãos de areia escondidos sob as ruas de Paris.
E o que resta da vida senão a epígrafe?
O poema nada mais é que uma epígrafe então:
“Aqui jaz a humanidade,
Sucumbiu sobre o jugo de sua própria ganância,
Fruto de sua ignorância
E de sua inteligência,
Que é sua contraparte.
Padeceu sob a tirania de si mesma
Em que homens dominavam homens,
Dominavam mulheres
E maltratavam as crianças
Destruíram tudo o que o universo pôde criar de mais belo
Mataram suas divindades
Às quais deram vários nomes,
Mas que poderiam ter chamado somente de Natureza.
Venderam seu tempo, suas virtudes, sua dignidade,
Trocaram por um pedaço de papel
Que eles trocavam por mercadorias
Num lugar chamado mercado.
Criaram leis que restringiam sua liberdade,
coibiam os amores
e proibiam a felicidade.
Aqui jaz a humanidade.”
Eis a epígrafe,
Eis o poema.
No mesmo instante em que tudo se dissipa,
ele faz uma releitura
implacável
das ruínas ao seu redor.


                                                                                                                       (Audrei Teixeira)

A Loucura Como Ato Político

         Que os padrões ditos “normais” que regem a sociedade são utilizados como meio de manipulação e massificação dos indivíduos, roubando a sua autenticidade e enquadrando-os dentro dos propósitos do sistema social vigente, já é sabido. Contudo, é interessante e esclarecedor, antes de discutirmos o papel da “loucura” como ato de resistência, discutirmos mais acerca da dita “normalidade”.
         Segundo a definição dos dicionários normal é tudo aquilo que segue a norma, ou seja, algo que não foge às regras impostas, que não contesta, nem questiona, qualquer um que questione as normas, que fuja às suas imposições, que se rebele é, portanto, considerado, anormal.
          Nesta sociedade patriarcal, machista, heteronormativa1 e capitalista, o dito normal é aquele que expressa estas características, ou seja, o indivíduo integrado a uma família comandada por um Pai e submissa a este, um indivíduo que trabalha (e trabalha muito) e se dedica ao seu trabalho acima de qualquer outra coisa, faz deste trabalho a sua vida, sem questionar, nem contestar, vende seu tempo e seu corpo por um preço bem pequeno, produz e o lucro obtido com essa produção fica para outra pessoa (o patrão) e acha isso... normal. Mantém relações sexuais apenas com pessoas do sexo oposto, mesmo que no íntimo esta não seja a sua preferência e muitas vezes sem se questionar se é isso mesmo o que realmente o satisfaz, simplesmente porque é normal, acredita que sua cultura e sua religião (aliás, que também são construções sociais e imposições históricas ao indivíduo) são as únicas normais e que qualquer outra forma de cultura ou religião, qualquer outro grupo que desenvolva relações sociais diferentes destas, impostas ao indivíduo e que são as únicas que ele aceita, são “bárbaros” ou “inferiores”.
        Que o discurso da “normalidade” sempre serviu aos diversos regimes políticos como meio de coerção também é sabido, que, ao longo de toda a história, muitos daqueles que se opuseram às imposições de governos tirânicos, ou que se negaram a viver dentro dos padrões que a sociedade impunha, foram excluídos, enviados para “sanatórios”, mas não seria incorreto chamarmos de “prisões políticas da alma” a estes locais de prisão e de tortura para o qual eram (e ainda são) enviados nossos livres pensadores e aqueles que tentaram viver de maneira livre, sem as amarras das regras pré-estabelecidas e incontestáveis.
       Porém, não é deste tipo de “loucura” que trataremos aqui, pois para nós já está mais do que claro ao que serve o discurso da “normalidade” e a opressão que sofrem todos os que se opõem às normas pré-estabelecidas, bem como o nosso repúdio tanto à opressão, quanto às normas e a sociedade que as impõe.
       Entretanto, este pequeno texto tem por objetivo tratar de outro tipo de “loucura”, que são as neuroses geradas por esta caótica e cruel sociedade capitalista, ou simplesmente as angústias inerentes à própria condição humana, mas que no capitalismo, por não terem um espaço para serem debatidas e “trabalhadas”, muitas vezes adquirem um caráter “patológico”.
É neste sentido que defendemos que a “loucura” traz em si um caráter político, de resistência.
       As neuroses, o surto, o grito, nada mais são do que o não oprimido na garganta, entalado, o não que gostaríamos de dizer ao patrão tirânico, à professora opressora, ao ônibus lotado, ao relógio, o despertador especialmente, às humilhações e privações sofridas dia-a-dia.
       Uma máquina quando você humilha, quando você bate, quando você dá ordens e a faz executar incessantemente a mesma tarefa, milhares de vezes, sempre da mesma maneira, sem nenhuma alteração, mínima que seja, ela não reage, ela executa infinitas vezes a mesma tarefa sem se extenuar, até o esgotamento total e quando ela quebra você joga fora, sem nenhuma culpa e simplesmente a substitui por outra.
      Uma das maiores contradições do sistema capitalista é transportar esse tratamento dado às máquinas aos seres humanos, a diferença, entretanto, é que um ser - humano não é uma máquina, não é uma pedra, não é uma latinha de coca-cola, o ser humano, ao contrário, ele grita, uma hora ele berra, ele cansa, chora, de uma maneira ou de outra ele reage. Resiste.
      Seja gritando, seja pegando bolinhas no ar, ou enxergando bichos na parede, de um jeito ou de outro parece haver algo na natureza humana que o obriga a resistir, mesmo que de maneira incipiente e inconsciente, esta, sem dúvida, é uma das grandes diferenças entre os seres animados (que tem anima, alma) e os objetos inanimados, uma pedra se você chuta, ela rola, no máximo, uma pessoa não, se você chuta, ela grita, ela xinga, chora ou te chuta de novo, mas ela reage de alguma maneira.
       Deitado na cama chorando o indivíduo diz (quando tem força para dizer) –“Hoje não vou trabalhar”- o que pouca gente compreende é que algumas pessoas chegam a um ponto em que preferem morrer à enfrentar o fardo da eterna repetição diária de uma atividade inútil, sem sentido e principalmente, que não causa o mínimo prazer.
       Isso é resistência também, não uma resistência elaborada, com embasamento teórico, mas é, assim como o banditismo, uma atitude pré-revolucionária.
       O mesmo se aplica à surtos psicóticos, crises ansiosas ou de pânico. Quantos operários não desenvolvem fobia da fábrica, de seu ambiente, seu barulho, quantos professores não tem crises de pânico ao entrar numa sala de aula?
       É claro, que não se trata aqui de fazer uma apologia destas tristes patologias geradas ou agravadas pela sociedade capitalista, mas de apontar que com seres humanos a coisa funciona de uma forma diferente, não se pode impedir uma pessoa de gritar a sua ira, ou de chorar a sua dor, ao contrário das máquinas, mais cedo ou mais tarde, o indivíduo vai externalizar a sua opressão de alguma forma e nem sempre estas formas são bonitas, nem sempre elas são sãs e calculadas, muitas vezes elas saem apenas como gritos, surtos, lágrimas.
       Sem dúvidas, em outro modelo de sociedade, onde não haja a exploração de um indivíduo por outro, onde não haja opressão, machismo, nem preconceito, ainda haverá surtos, patologias, medos. Contudo, numa sociedade mais evoluída socialmente, mais sadia, será possível trabalhar melhor esses medos, as angústias naturalmente causadas pela misteriosa condição humana.                      Com o tempo livre, por exemplo, depois que o ser - humano tiver se libertado das amarras do trabalho abstrato e alienado, com o ócio criativo, as atividades artísticas, o tempo de estudo, o ser - humano sem dúvida vai poder alimentar a sua alma, dessa forma, ele será cada vez mais diferente das pedras e cada vez com menos necessidade de gritar para não esquecer disso.

Audrei Teixeira de Campos,
escritora, historiadora, professora.

1 Que impõe normas heterossexuais.